Pseudônimo de Louis-Ferdinand Destouches, Céline oferece ao mundo
das letras obras imortais; e ao mundo dos homens dores impensáveis.
“Penso” aí como sinônimo de curativo.

Herói da primeira grande guerra, se é que a adjetivação de grandeza
pode enfeitar a burrice da guerra, Destouches foi ferido e dispensado da luta.

Recebeu medalhas e fanfarras.
Integrado na Liga das Nações, bateu pernas pela África, Ásia e Estados
Unidos, prestando serviços médicos; depois, nos bairros pobres de Paris.
No início dos anos trinta, adquire fama pela via das letras. Não era mais
Destouches. Seu nome de fama europeia e internacional passara a ser
Ferdinand Céline. Furtou o nome avoengo, e avó só existe uma; o que varia é
o endereço.

Seus dois primeiros romances, “Voyage au bout de la nuit”, em 32, e
“Mort à crédit”, em 36, trouxeram fama e produziram infl uências.
Infl uências que foram de Sartre a Kerouac e Ginsberg. De Ginsberg fi cou
a terrível frase que marca o seu tempo. “Eu vi as melhores mentes da minha
geração destruídas pela loucura”.

E foi um desse infl uenciados, precisamente Sartre, o existencialista da
liberdade, quem desgraçou a fama de Céline. O mesmo Sartre que prefaciou a
mais famosa obra de outro maldito, “Notre Dame des Fleurs” de Jean Genet,
cuja acusação semelhante Sartre não encampou.

No auge do poderio nazista, Céline não teve a cautela de esconder-se sob
o manto do “politicamente correto” e escreveu desmontando mitos do caráter
judaico.

No momento do mais brutal maniqueísmo da história humana, não
bastava ser isento. Era preciso confrontar. A maior acusação que se fez contra
ele era de comportara-se ambiguamente, durante a ocupação de Paris.
Sartre não perdoou. Provavelmente essa acusação pesou na condenação
de Céline, à revelia, quando da libertação da Cidade Luz. O grande escritor
refugiou-se na Dinamarca. Para se proteger precisou de uma identidade falsa.
Um nome desconhecido. E ele tinha ambos. Usou a sua identidade verdadeira
e seu nome real para se proteger na clandestinidade.

Tal qual na fi cção, o que era real virou disfarce e o que era fantasia
tornou-se real. Verdade e mentira trocando máscaras e sofrimento.
Ao ser anistiado, voltou a Paris. Louco. Na pele, a salmoura de feridas mal
fechadas. Na alma, as úlceras sangrando na cara da hipocrisia.

Quando a Paris Review o questionou sobre o seu estilo, ele respondeu:
“Eles chamam isso de invenção. Olhe os impressionistas. Um dia eles
pegaram seus quadros e foram pintar do lado de fora. Como quem vai
almoçar na grama. Na música, de Bach a Debussy há muita diferença. Os
escritores vivem procurando uma tragédia, sem encontrá-la”.

Mas Céline era louco. E a loucura é sincera. O inferno íntimo que
hospedou sua mente o libertou da falsidade.

Té mais.